Os dois textos que escrevi essa semana nasceram da mesma ferida: a de perder alguém que ainda se ama. Falam do fim de um amor que não acabou dentro da gente, e da batalha silenciosa entre aceitar a realidade e ainda sentir com força o que já não se encaixa mais no presente.
Falar sobre isso é também me expor. É me despir diante de quem lê. Mas como terapeuta, e sobretudo como alguém que vive, sente e ama, entendo que essa dor merece ser nomeada. Não mascarada. Não empurrada para o fundo de uma gaveta emocional, como se fosse algo vergonhoso.
A dor da ausência de quem ainda se ama é uma das dores mais complexas que a alma pode experimentar. Porque ela não tem uma resposta fácil. Não se trata de raiva ou de ódio — seria mais simples se fosse. Trata-se de amar e não poder mais. De continuar amando enquanto o outro já virou silêncio.
E é aí que muita gente se perde: tentando fingir que já superou, tentando ocupar todos os espaços com distrações, tentando amar outro alguém antes de amar o próprio luto.
No consultório, escuto tantas histórias assim. Gente que se culpa por ter amado demais. Gente que se culpa por ter amado de menos. Gente que não entende por que acabou. Gente que entende, mas não aceita. A dor é democrática — atinge todos do mesmo jeito, com a mesma intensidade, ainda que cada um reaja como pode.
Alguns tentam substituir a dor rapidamente, como quem troca de roupa: mudam o visual, mergulham no trabalho, saem todas as noites, instalam todos os aplicativos de encontro como se o coração fosse um perfil a ser editado. Outros se isolam, se encolhem, somem do mundo, se culpam por não serem suficientes.
Mas existe algo profundamente curativo em viver a dor por inteiro. Sem esconder. Sem racionalizar demais. Só sentindo. A dor quer ser vista. Quer ser atravessada. Só assim ela se transforma.
Chorar por alguém que partiu não é fraqueza, é humanidade. Falar sobre esse alguém, escrever, lembrar com carinho ou raiva ou saudade — tudo isso é parte do processo. Um processo que não tem data de validade. Porque o amor, esse teimoso, não respeita calendários.
A nossa psique é feita de vínculos. A gente não perde alguém e continua igual. A gente desmonta por dentro. E precisa remontar devagar. Reconstruir-se com cuidado. Entender o que era seu e o que era do outro. Aprender a amar a própria companhia. A confiar no silêncio. A não se assustar com a solidão.
Mesmo quem ainda tem esperança de reatar a relação precisa entender que não faz sentido querer voltar de onde parou. Aquilo que parou, parou por um motivo. Alguém não estava pronto. Alguém escolheu ir. E quando — e se — o reencontro acontecer, será em outro tempo, com outras versões de nós mesmos. Será, inevitavelmente, um novo começo. Ou não será.
Amar de novo o mesmo amor exige outra estrutura emocional. Porque o amor que volta com as mesmas feridas, só retoma o ciclo da dor.
É por isso que não basta torcer para o outro voltar. É preciso que, até lá, você tenha voltado para si. Que tenha feito o luto não só da relação, mas da ideia que criou sobre ela. Que tenha se reencontrado. E aprendido a viver — não só sobreviver.
A dor não precisa desaparecer para que a vida recomece. Aos poucos, ela encontra um canto da sala. Faz parte da decoração. Vira aquela mancha no papel de parede que, no começo, incomodava, mas depois, vira única. Carrega história. Mostra que ali vive alguém que sentiu de verdade.
E acredite: essa nova versão sua, que nasceu da dor, vai amar melhor. Vai amar com mais calma, com mais presença, com mais verdade. Porque quem já enfrentou o abismo aprende a valorizar o chão firme. Quem já chorou a perda aprende a reconhecer o valor de estar inteiro, mesmo sem o outro.
A dor ensina, sim. Mas não pra gente amar menos — e sim pra amar de um jeito mais verdadeiro. Sem se diminuir. Sem se abandonar. Sem se perder no outro.
Então, abrace o travesseiro, escreva cartas que não vai enviar, fale com o teto, se for preciso. Mas viva. Viva até poder se despedir com paz. Até entender que o amor que termina nunca é desperdício: ele te ensinou a ser quem você é agora.
É isso o que o sofrimento, quando vivido de verdade, pode nos dar: maturidade emocional. A coragem de se entregar, mas com os dois pés no chão. O desejo de viver um amor que não começa com carência, mas com escolha. Que não tem medo de ir embora, porque sabe que, mesmo se acabar, a gente se tem.
E aí, quando alguém novo chegar — ou até se a vida te trouxer de volta aquele amor antigo — você não vai repetir os mesmos erros. Porque não vai esperar que a relação volte de onde parou. Vai saber que, se for pra recomeçar, será de outro jeito. Um jeito mais consciente. Mais leve. Mais recíproco.
E se não for, tudo bem também.
Você já aprendeu que o amor mais importante é o que a gente constrói dentro da gente: o que cuida, o que respeita, o que acolhe a dor, mas não a transforma em moradia.
A dor não é lugar pra viver. É ponte. E agora você está pronto pra atravessar.
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Que essa leitura tenha sido um abraço.
Nos vemos em breve. 💛
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